quarta-feira, 2 de julho de 2008

haibun: bem-te-vi



Bem-Te-Vi


É de manhã quando ele pousa no muro do quintal, saltita, pousa na corda de estender roupa, como numa ensaiada coreografia. Mirando sempre o alvo, entoa com vigor a última sílaba do seu canto anunciando o ataque. Em voo rasante alcança a tigela de comida do cachorro, agarra um grão de ração e ao bicá-lo produz com os demais, o som da vitória. Desaparece sobre os telhados das casas.


brisa de verão
o balanço da folha
com uma lagarta

terça-feira, 8 de abril de 2008

a few haiku

a bird sings
on my clothes line —
I can wait

um pássaro canta
na corda de estender roupa —
posso esperar


afternoon breeze
no one understands what
the parrot sings

brisa da tarde
ninguém entende o que
canta o papagaio


rolling thunder
the gentle vibration
of unused crystal

rola o trovão
a vibração delicada
de cristais sem uso


night lightning–
the rambutan tree’s empty spaces
fill with brightness

noite de relâmpagos
os espaços vagos do rambutam
preenchidos com luz


moonlit night
the shadow of a wolf
just like a wolf

noite de luar
a sombra de um lobo
tal qual um lobo


narrow bridge
our shadows fall
onto the rocks

ponte estreita
nossas sombras caem
sobre as pedras



Obs. Published in The Heron´s Nest

sábado, 15 de março de 2008

Haicai no Espelho

Meus primeiros contatos com o haicai não tiveram a influência brasileira e, sim, a estrangeira. No ano de 1990 fui com minha família para o Havaí, Estados Unidos, onde morei por cinco anos, voltando ao Brasil em 1995. Portanto, o haicai guilhermino ou os ensinamentos do mestre Goga eram ainda desconhecidos para mim. O caminho que se abria para meus primeiros passos no haicai despertava novamente minha curiosidade sobre a cultura japonesa, em especial, a literatura.

O haicai me deslumbrou pela primeira vez, quando num dia do ano de 1992 abri o jornal havaiano Star-Bulletim, de Honolulu, e li um texto sobre um concurso de haicai para crianças. O que mais me chamou atenção foi o fato de o artigo mencionar que o haicai era uma forma poética japonesa. Pelas informações, pareceu-me um poema, que, além de ser curto, era fácil de escrever e era gracioso. Ora, eu morava numa cidade onde a população japonesa era bastante representativa e eu já havia conhecido um grupo de estudantes japoneses nas aulas de inglês, mas meu interesse pela cultura japonesa se limitava às poucas lembranças de meus contatos com a vida japonesa.

Lembro que quando eu tinha uns 8 a 9 anos, eu já apreciava o sabor oriental. Numa vila, que passava ao lado de minha casa, morava uma senhora japonesa, de figura miúda e modos extremamente educados. Descobri que seu nome era Kanoé, assim se pronunciava, mas agora e de repente, não sei se o escrevi de forma correta. Essa amável senhora, que não falava português, vendia para a criançada, e quem mais quisesse, saquinhos de arroz frito e crocrante que me faziam espremer cofrinhos só para degustar, por menos de cinco unidades da moeda corrente, aquela deliciosa comida estrangeira. Mas não precisava qualquer diálogo entre nós, bastava apenas mostrar o dinheirinho e apontar o produto. Minha primeira experiência com a cultura japonesa havia definitivamente me conquistado. Outras estariam por vir.

Lá pelos anos de 1966, (quanto tempo!) creio, minha tia Nilda, levou minha irmã, Regina e eu, para o cinema. O primeiro filme também não se esquece. Fomos assistir "As Olímpiadas de Tóquio" que se realizaram em 1964, e cujas imagens ficaram gravadas em minha memória. Lembro que sai do cinema impressionada com a beleza e graça do origame, da delicadeza da dança, e com tudo que o filme me fizera conhecer. Quando conheci o haicai, desta vez já adulta, foi como se um elo faltante unisse todos os demais. Era preciso então dar continuidade a esse novo aprendizado.

O Primeiro Forum: A CompuServe

Foi na CompuServe, uma empresa americana pioneira da Internet, que oferecia a seus membros diversos serviços, entre eles, fóruns de discussões, que construí a primeira ponte do meu caminho rumo ao haicai. Meu interesse pela poesia já era antigo mas o fórum de poesia da CompuServe permitiu que eu liberasse o que eu queria expressar como poeta. Foi assim que contei minha primeira experiência com o haicai a um grupo de membros do fórum, demonstrando meu interesse em descobrir mais sobre o assunto.

Nesse fórum falávamos de Basho, Issa, Buson, Shiki e outros, mas tudo ainda era novo para nós. Escrevíamos haicais que imaginávamos ser haicai. Seguíamos fielmente o número de sílabas 5-7-5 para mais tarde descobrirmos que nossos haicais não eram haicais, nossas rengas não eram rengas e nossas tankas não eram tankas. Em realidade, íamos aprendendo juntos, já que o haicai era um assunto novo para a maioria. Havia um membro mais afinado com a forma, o Tom (que coincidência!), que era um grande admirador de haicai. Foi ele que nos alertou sobre detalhes que tornavam nosso terceto um haicai. Ele foi categórico ao dizer que todos os poemas que eu escrevera até então não eram haicais, talvez exceto um que transcrevo a seguir:

furo no telhado
a lua derrama um pingo
de luz no chão

Esse foi um motivo para nos dedicarmos com mais afinco a pratica da forma. De repente, muitos haicaistas hábeis despontaram e nos abasteceram com vários níveis de informações. Restava-nos querer entendê-las e absorvê-las. Vimos diversos colegas debandarem enquanto outros aderiam ao grupo. O ritmo de aprendizagem seguia de modo natural e nos deixava consciente de que precisaríamos de muito tempo para dominar a arte. Chamávamos a nós mesmos de eternos aprendizes e preferiamos assim para não sermos cobrados como grandes conhecedores, embora uns mostrassem maior domínio das técnicas do que outros. Outros, como eu, preferíamos ser um simples discípulo.

Foi na CompuServe que conheci a autora americana Jane Reichhold. Ela nos honrou com sua presença e nos deu algumas lições sobre haicai. Também nos convidou para submeter algum haicai para a revista Linx, editada por ela. Foi aí que publiquei um poema formado por tercetos. Com ela, aprendemos outras técnicas, regras e tentamos escrever haicais mais próximos dos conceitos ocidentais.

Voltei para o Brasil em 1995. Estava inteiramente envolvida pelo haicai mas assumi que os brasileiros o desconheciam. Felizmente, eu estava errada e meu primeiro contato com o haicai brasileiro se deu em 1996, quando participei do I Encontro de Poesia - A Floresta em Verso e Prosa, quando uma das palestrantes mencionou a palavra haicai. Fiquei entusiasmada e resolvi pesquisar na Internet. Encontrei o belo site do Kaki e me deliciei. Enviei alguns haicais para o Grafite e vi que poderia continuar com meu aprendizado em português. (A ser continuado).

segunda-feira, 3 de março de 2008

meu cão/my dog



lua no quintal
a casa do meu cachorro
não tem janela

garden´s full moon
my dog´s house with
no window

sábado, 1 de março de 2008

lilis/lilies



lilis em flor
minha aromaterapia
com hora marcada

lilies in bloom
my aroma therapy
by appointment

sábado, 23 de fevereiro de 2008



da mão de Buda
para o meu pé
um mosquito

from Buddha´s hand
to my foot
a mosquito

a la Issa



espere aranha
ainda não estou pronta
para a viagem

wait spider
I´m not ready yet
for my trip

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

My Winning Haiku



end of rain
each cactus thorn keeps
its raindrops

4th International Contest for Haiku in English
Commendment
Three Rivers Haiku Association, Ivanic Grad
Croatia, 2007

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friends’ conversation –
now and then my dog
seeks a pat

International Haiku Contest
Honorable Mention
Romanian Haiku Association
Bucharest, 2007

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cherry tree
even the blind woman
picks blossoms

2006 Haiku Invitational
Best International Poem
Vancouver Cherry Blossoms Festival
Vancouver, 2006

domingo, 13 de janeiro de 2008

sonho/dream



sonho disperso
de repente o eco de uma
vassoura no quarto


broken dream
suddenly the echo
of a sweeping broom

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

autor anônimo
a teia de aranha do jardim
tal qual borboleta

anonymous author
the garden´s spider web
a butterfly´s wings

domingo, 6 de janeiro de 2008

beija-flor/hummingbird




frio intenso
o beija-flor ainda
mais pequenino

cold day
the hummingbird
even smaller

rosa clement (05/01/08)

Ano Novo
o beija-flor
voa para trás

New Year
the hummingbird
flies backwards

rosa clement (2007)

sol da tardinha
a sombra do beija-flor
maior do que nunca

sun at dusk
the hummingbird´s shadow
bigger than ever

sol de meio-dia
o papo do beija-flor
em verde metálico

mid-day sun
the hummingbird´s breast
in metallic green

rosa clement (2006)



Um Beija-Flor Especial

Esse é o beija-flor que todos os dias visita minha janela onde há um alimentador de beija-flores com quatro flores vermelhas artificiais. É gratificante poder ver suas asas, suas penas e suas cores de tão perto, e ainda sua língua tão fina e comprida que de vez em quando está à mostra. Tão doce convivência me garante a ilusão de que entendo de beija-flores.

Tenho esse alimentador de beija-flores há alguns anos, o qual, desde então, cativou esse beija-flor em especial. Não sei se é o mesmo pássaro de fato, mas seu comportamento indica que sim. Assim, ele resolveu se apossar das flores de plástico e passa o dia vigiando-as com os cuidados de um dedicado guardador de tesouro.

De vez em quando ouço um forte bater de asas entre beija-flores. É o dono das flores afastando o inimigo. O invasor não tem perdão e recebe uma sonora "asada" em pleno ar e desaparece na imensidão do espaço além dos telhados. Poucos conseguem ultrapassar o bloqueio da pequena fera vigilante, mas não por muito tempo.


Apesar da notável valentia, há também momentos nos quais esse beija-flor fica gentil e até cavalheiro. Como um recurso de conquista, ele permite que a fêmea se aproxime e também beba do farto "nectar". É quando surge a chance de ver dois beija-flores na minha janela.


A chuva não o impede de fazer seu trabalho, pois o telhado da casa protege suas flores. Podem vir os trovões e os ventos que ele não abandona suas protegidas. Não importa se o frio o obriga a encolher-se, deixando-o ainda mais pequenino, mas não menos bravo.

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A Special Hummingbird

This is the hummingbird that everyday visits my window where there is a hummingbird feeder made of four artificial red flowers. It is gratifying to see its wings, its feathers and its colors from so close, as well as its thin and long tongue that once in a while is out for us to see. Such sweet coexistence guarantees me the illusion that I understand hummingbirds.

I have had that hummingbird feeder for some years now, which, ever since, has captivated this particular hummingbird. In fact, I don't know if it is the same bird, but its behavior indicates that it is. Thus, it decided to take possession of the plastic flowers and spend its day watching them with the care of a dedicated treasure guardian.

Once in a while I hear a strong beat of wings among hummingbirds. It's the flowers' owner chasing an enemy away. The invader doesn't get mercy and receives a resonant "wingshot" in the air and disappears in the immensity of the space beyond the roofs. A few get through the blockade of the tiny vigilant guardian, but not for too long.

In spite of its notable bravery, there are also moments in which this hummingbird becomes kind and even a "gentleman". As a conquest resource, he allows the female hummingbird to approach and also drink of the abundant "nectar". This is when the chance of seeing two hummingbirds in my window appears.

The rain doesn't stop it from doing its job, because the roof of the house protects its flowers. Thunder and wind can come but it doesn't abandon its object of protection. It doesn't matter if the cold forces it to huddle a little, which makes it even smaller, but no less brave.